25.5.09

SILÊNCIO

Um cachorro rompeu o silêncio da rua. De qualquer forma, não era daqueles silêncios nobres, de pessoas que não fazem barulho. Era o silêncio sujo que os bairros boêmios tem após o amanhecer. Apenas um dos bares em funcionamento, àquele horário. O sol alto já denunciava advogados e contadores em seus escritórios. Mas nós não usávamos paletó. Copo a copo, desvendávamos os segredos da humanidade, como se fossemos talvez aquele cachorro que rompeu o silêncio da rua. Nunca humanos. Preferíriamos para sempre aquela vida de não ter horários,mas paixões. Essa vida de choro e riso alternando-se incansavelmente. Sequer conhecendo o significado da palavra inércia. Seríamos eternamente livres, como prometemos naquela manhã de agosto - o frio do sul conferindo uma tonalidade rósea, quase inocente, a nossos rostos. Hoje, nostálgico lembrar aquela manhã, há pouco mais, ou pouco menos talvez, de cinco anos. Meu despertador toca antes da hora em que outrora eu dormia. E nós sabemos em silêncio, como o silêncio das ruas boêmias ao amanhecer, como o silêncio rompido daquela manhã fria de agosto, que não há mais tempo para abraçarmos a vida.

18.5.09

MOSCAS

A casa guardava ainda o frio do inverno. Contrariando a temperatura, insetos displicentes haviam tomado a casa. Não qualquer inseto, mas ruidosas moscas a vasculhar o ambiente com olhos cubistas. Apaixonadas por natureza morta, eram enganadas pela multiplicidade de olhos que lhes mentiam em Picasso qualquer pincelada que vissem.

Quando vivo, o sonho do pintor era fazer platéia mais que fortuna. Jamais obteve qualquer dos dois objetivos. As paisagens frias agradavam sequer a mãe, que há meses não o procurava.

Foi que ontem, justo ontem, resolveu procurá-lo. Apenas o mosquedo velando o corpo do artista que, segundo uma das moscas presentes no local, tão bem as entendia.