10.3.08

5 DE MARÇO

Um homem foi morto na agência de banco que freqüento. Era assalto. Podia ser eu – mas não vou ao banco no início do mês. Ia depositar dinheiro, talvez até fosse um office boy com o medo ingênuo de perder o salário mínimo que ganhava no fim do mês. Não li a notícia, confesso. Ouvi falar. No ônibus.

Ia depositar dinheiro, saiu de um banco e entraria em outro – não chegou a entrar. Sabe lá quanto tinha o dito homem – sabe-se, por acaso, se era homem mesmo? Podia ser uma mulher, talvez nada realmente tivesse acontecido e tudo que ouvi fosse mero boato, saído da boca de uma daquelas pessoas sempre precisa ter algo extraordinário para contar.

Não sei que idade tinha, qual sua classe social, que fim teria o dinheiro – talvez até dinheiro sujo, o safado, quem sabe fosse um laranja – mas agora ele estava morto, na mesma agência bancária que freqüento. Logo eu, que nunca fui ao banco em início de mês, me deparava agora com aquela situação inquietante, a confirmar meus medos.

Não dormi aquela noite. Contei o boato para tantos quanto vi na fila de todos os bancos que freqüentei daquele dia em diante. Eu, que em toda minha vida havia sido chamado de neurótico, graças à pequenos cuidados que tomava sempre, como não freqüentar bancos em início de mês, tinha agora a prova de que sempre estivera correto. Pois um homem que sequer sei se é homem, de idade, classe social e índole que não posso estabelecer, morreu – imagino que tenha morrido, ao menos, o cobrador não mentiria – graças a uma quantia que não sei qual era, nem imagino a procedência ou o destino, na agência de banco que freqüento, logo no início do mês.

Poderia ter sido eu – mas eu não vou ao banco no início do mês.

3.3.08

SUICÍDIO SEM PLATÉIA

As pessoas no centro têm pressa. Passa correndo o carro, o ônibus e a lotação. O gari trabalha com calma. Apessados os estudantes com mochilas da Universidade Federal - sabe-se lá de onde vem tanto orgulho de estudar lá - talvez atrasados para a aula, talvez com medo do furto, talvez entrando no ritmo. Ninguém repara no mendigo fitando a morte, sobre o viaduto - as pessoas do centro têm pressa.

O ônibus desacelera ao se aproximar o fim da linha, mas o ritmo do centro é constante, levando uma multidão massiva e disforme - que rosto têm essa multidão? é branca, vermelha, amarela? O cego resolve enxergar com a bengala nas mãos - se os olhos funcionassem... - não perde a velocidade do cordão. Ninguém gritou pula para o mendigo que ameaçava suicídio - talvez quisesse que alguém o impedisse, mas as pessoas do centro têm pressa.

O ladrão que corre com a bolsa de uma senhora - roubada, pobre - passa despercebido, em meio à multidão que se aglutina numa maratona desenfreada rumo à rotina. Todos completando a boaiada, sincrônicos no balé de seus atrasos. Pára ônibus, táxi, lotação. Precisam se deslocar para um lugar onde possam sentar-se sem pessa. Quem não tem pressa é o corpo do mendigo atirado no chão - plena Borges de Medeiros - por onde passam inquietos e indiferentes os transeuntes - as pessoas no centro têm pressa.