30.11.09

CAMISADEFORÇARESPEITO

Eu estava há duas semanas sem escrever; e quando não escrevo você sabe; eu piro. você sabe porque também é assim; nossa expressão é mútua, e de repente somos iguais. Se nossa vida cruza em escrita, na falta dela não pode ser diferente. Teu gosto conhece o amargo estanque da não vida que experimentei nestes dias? Não é culpa tua. Não é culpa minha. Cúmplices, somos inocentes; tu sabe disso. Nós precisamos mexer as peças desse tabuleiro imperfeito. Corromper as regras que não aceitamos. Usar o fio da verdade estilhaçando hipocrisias. Berrar; Vomitar; Sangrar; e assim sucessivamente em frases que se confundam.

Pra sobreviver a gente se contém e joga a culpa no eu-lírico, e o eu-carne mantém sua inocência quase infantil de palavra serena e diplomacia. Mas é que quando a palavra não nos visita nós sabemos que é hora da camisadeforçarespeito romper. E lá vai toda enxurrada de nós.

Me dá um papel, minha alma começa a formigar.

23.11.09

MINGUA

Vê? A lua está minguando e fazia tempo que não ventava assim, pleno novembro, e tem tanta gente na rua, mesmo com esse vento e aquele cachorro com jeito de quem quer morder. Tá quieto hoje, fala alguma coisa. Lembra quando a gente se conheceu? A lua estava cheia; foi há umas três ou quatro luas cheias atrás. Não, foram três, eu lembraria se fossem quatro. Calma, o ônibus não deve demorar. Sabe, eu acho mesmo que esse vento e essa lua assim, perdendo espaço no céu, são um sinal. Sim, eu sei que toda lua mingua, mas de repente esse teu silêncio - não sei, só de repente fosse um sinal. Ah, tu sempre diz que não te importa e se importa com coisa tão pequena. Isso a gente resolve em meia hora; ou não, claro. Mas entende que a solução somos nós, não é como aquele cachorro brabo ou esse ônibus que não vem: tem essas coisas que a gente não controla. Eu queria, por exemplo, encher de novo essa lua como se fosse um balão de festa infantil; um balão surpresa e fosforescente, como toda lua cheia.

Eu queria ser dona desse teu silêncio.

16.11.09

LUA NOVA

O centro da cidade tá escurecendo. Mas tu entende? Entende mesmo? E quando eu vim parar aqui eu era lua cheia.
Tudo que eu disse-quero, eu tive.
Tudo que toquei foi ouro;
tudo que olhei foi meu.

Olha agora essa lua disforme surgindo na nuvem.

Nem cheia, nem meia, nem nova.
Não saberia dizer, lua morna.

Mas tu entende porquê não dá certo? Eu era agora, desperta, desesperada. Puro fogo.Mas de repente fui minguando nessa obsessão de ser tudo como se as partes fossem caindo devagar, mas rapidamente. Como quebrasse um vaso de cristal puro e, conferindo os restos, só houvesse vidro.

E eu perdi meu nome
meu norte
meu nada.

Entende? Tudo nessa velocidade atemporal, das coisas velozes que passam em câmera lenta. Assim, semi-nua
meia-lua.

Fui perdendo cabelo
perdendo tesão
perdendo dinheiro.

Pendendo tudo - perdendo tu.

Mas deixa, está escurecendo e tens que voltar pra casa. Tens que enviar aquela carta prometida para ella, em que falará que estoy bien y no te olvidaré, usando as parcas palavras do teu portunhol. Teu desejo é assinar a carta dizendo saudades!, mas para que ela te entenda, dirá apenas te quiero! Vai. Anoitece. A distância não permite desculpas, não perdoa atraso. E tua sombra, alta e esguia, como só a sombra dos homens baixos e opulentos se permite ser, se distancia, a passo largo.

No caminho, aquela dor de ter me feito triste se confunde em náusea com essa coisa de verdade que tu sente. Entende porque não deu certo? Não te preocupes, a escuridão do centro me protege ainda. E ela quem me ouvirá dizer, de mãos dadas com o vento, que hoje eu sou lua nova. (Mas acho que prefiro mesmo que tu caminhe as próximas quadras com esse remorso de mim, que perca o sono em desculpa). Que entendas estes pequenos milagres: o centro está escurecendo ao meu redor.

8.11.09

FRAGMENTOS DE UMA SEXTA PASSADA

Primeiro foi teu rosto assim, essa boca semicerrada, depois flanando pelo teu peito nu, com medo de saber o resultado de outra sexta-feira.

Não. Antes da visão eu era olfato, tateando os sons do quarto com repulsa. Aquela música azeda, agridoce, misturada ao sonoro cheiro do teu sono pesado. Foi assim que acordei e mirei primeiro tua boca, depois o peito nu.

E o calor e tu e o som e meu estômago ainda, não me deixaram dormir.

Se princípio eu não soube o que fazia ao meu lado, ao abrir os olhos em grande angular eu vi que aquele não era meu. O lugar.

De repente aquela noite toda veio junto numa queimação. Quase meio dia e me desfiz num vômito de ti, daquela sexta-feira. Já era sábado, embora eu não tivesse visto o sol ainda. Tanta lágrima jorrada, tu vê. Mas tu não acorda ainda. Eu não sei se foi desperdício.

A lua cheia só chegará na segunda. De repente não entendo esse sentimento jorrado palavra solta.

Eu não sei se foi desperdício, mas tu não acorda ainda.

2.11.09

TODO FALSO AMOR

Será estranho sentir saudade de quem mal conheço?
(Não, já senti milhares disso antes
Todas as vezes tão intensas quanto esta
Tantas me produzi, maquiei até, por ti
Mas não só tu.
Corpos, todos eles semi desconhecidos
Poluindo minhas horas e meus poros maquiados)

Nas rugas precoces, todo falso amor me ri.