8.6.09

JÚLIO

Eu não esperava encontrá-lo ali. Pelo olhar, ele confessa que também não esperava me ver. Não daquela forma. Júlio, apresentei-os, este é meu namorado. Luís apenas sorriu. Ele tinha esse sorriso sempre pronto para mostrar quando algo lhe desagradava. Era a maneira dele de dizer que não gostou – nunca entendi como fui namorar um homem tão avesso às palavras.

Bem, acho melhor eu ir, o Júlio interrompeu, com aquele jeito dele de saber se afastar na hora certa. E foi.

Então ficamos a sós. Eu, ele e o silêncio, que era quem falava mais alto. Perguntei como havia sido seu dia e ele respondeu que tinha sido Bom, emendando banalidades que conversamos como se fossem relevantes, ambos sabendo que era apenas uma forma de adiar o diálogo que tivemos logo depois, quando ele desviou os olhos de mim e disse Este Júlio, é novo? Era bonita essa forma dele de aceitar, aquela submissão apaixonada que ele tinha não por mim, mas por qualquer paixão que lhe brotasse.

Às vezes a mãe dizia que eu devia me casar com ele, mas se casasse eu teria que ser fiel e isso eu ainda não tinha aprendido a ser. Enquanto isso, ele esperava. Ele sabia esperar tanto quanto era capaz de compreender meus deslizes e sempre com aquele sorriso que eu já tão bem conhecia. Ele ensaiou uma lágrima para comover, mas desistiu. Gostava de fingir que era forte ou que não se incomodava. Por tempos acreditei. Hoje, conheço a máscara.

Ele não pede explicações, tampouco as dou. Voltamos às futilidades, que eram mais bonitas que essas coisas sérias. Mas o toque do meu telefone interrompe. Eu já sei quem é. Ele sorri.

1.6.09

PÊLOS

Era estranho ele me dizendo aquilo, como se me doasse os pêlos de outro amor. Todas aquelas palavras pareciam dublagem mal feita, a voz não encaixava naquela imagem que sempre tive diante de mim. Era estranho perguntar se eu estava bem, sem nenhuma raiva na voz. Tudo errado demais para aquela segunda-feira morna de ônibus ainda. Sorri como nunca o vi sorrir, como quem passeia com seu cão num domingo qualquer, repleto de alegria infundada e serena. Mas passeia é por pensamentos, divaga em paixão, faz alusão àquele passado como algo que já passou. (Eu sempre quis que o fim acabasse mesmo, mas quando ele desce do ônibus fica um lugar frio ao meu lado, uma sensação vazia no estômago, como o vazio que ele fez no dia que foi embora levando as roupas e os vinis. Nascidos nos anos 80, só ele ainda ouvia vinil. Fazia parecer culto, creio.)

Mas eu também tenho que descer do ônibus que minha parada é logo. Eu não quero, mas deixo uma tristeza insincera entrar em mim. Ela parece que adentra a boca com o café já frio que tomo ao chegar no escritório. Todo mundo espera seus bom-dias na sala, mas esqueço. Só lembro do que não consegui esquecer. Digito uma multidão de pensamentos no teclado que não se transformam na idéia que eu deveria ter. Nesse momento eu queria fumar, mas nunca gostei de cigarro. Só vejo a calma que passa aquela fumaça saindo leve da boca. É uma calma bonita de ver, aquela fumaça.

Era estranho eu sentir assim agora essa facada que já devia ter cicatrizado há meses. Mas eu nem sei sobre o que sinto. Tiro logo da cabeça qualquer idéia que surja. Difícil concentrar mais que 5 minutos. Eu decido dizer tudo. E ligo, é de manhã ainda, ele não entende porque ligo logo depois de termos nos visto. Mas nada do que tivemos foi feito para entender. Nós não éramos equações solucionáveis em porquês, nunca fomos. E mesmo assim ele entende tanto quando ou consigo entender do que estou pensando, quase nada, acho. Não faz diferença. É engraçado que eu não saiba mais o que falar, que eu talvez nem tenha falado, que talvez aquele lapso de tempo tenha se passado em outra dimensão, não nessa tão plana. Estranho que tenhamos rido juntos novamente, distantes apenas por uma linha telefônica, a mesma na qual costumávamos chorar madrugadas inteiras aquele amor que sentíamos no estômago, nunca no peito. Desligamos ainda sem saber o porquê daqueles outros pêlos doerem agora nele. Os dele ainda encravados em mim.