27.6.11

SETENTA-E-TRÊS

Que engraçado o homem que me olha na janela como se eu não o visse
Seria eu talvez
sozinha-bêbada-despenteada-pleno-lunes-em-plenilúnio
a realização de um fetiche?

escrevendo na mesa mais longíqua de um bar vazio
cujo frequentador mais jovem estava acompanhando seu avô

ou talvez ele olhasse o anúncio
de venda de um escorte 73
fixado no vidro

20.6.11

A FAMÍLIA DA PARADA DO 64

Todos os dias eu encontrava aquela família em frente à parada do 64, as crianças brincando quando eu saia para o trabalho, a família jantando junta quando eu trazia o corpo cansado de nove longas horas laborais para casa. Um garrafa solitária de Brahma na mesa improvisada me fazia invejá-los. Eram 6, ou 8, talvez mesmo muitos, e eu só lhes reconhecia como sendo sempre os mesmos por manterem aqueles hábitos, os rígidos horários coincidindo com os meus. Nunca havia olhado suas caras, perguntado-lhes as horas, escutado suas vozes.

Eu sentia, sem saber, que eram uma das famílias mais felizes que eu havia conhecido, ignorando o fato de que não os conhecia; eram uma dessas famílias que ainda jantam juntas - e a imagem se faz mais bonita quando penso que talvez nem sejam da mesma família.

O fato é que não podia pensar em minha família sem lembrar desta que, de tão unida, era obrigada a dormir no mesmo colchão; que fazia questão de montar sua mesa todas as noites, com a quase nenhuma comida que tinha, para compartilhar o ritual da refeição, mesmo sabendo que logo teria que recolhê-la, posto que a mesa também servia como cama e parede de banheiro, sempre que necessário.

Um sábado passei pela parada do 64 e eles não estavam ali. Era verão e me bateu uma quase-saudade daquela família, como se fosse parte de mim. Como se talvez minha vida não fosse a mesma se eles não estivessem ali todos os dias, na parada do 64, a provar sua união com aquela mesa posta para o jantar. No lugar deles, encontro um filhote de cão, 15 centímetros no máximo, nariz farejando afeto.

Veio no colo para casa, pouca pulga e quase limpo. A noite, dormiu a meu lado, roendo uma sandália que jaz quase imprestável ao lado da cama ainda. Esperou o amanhecer para latir. Criado com hábitos rígidos da rua, sabia que já era hora de largar a sandália e brincar com gente real.

Também no colo, levei-o a buscar sua família. Quatro quadras me bastavam para chegar aos candidatos mais óbvios àquela paternidade. De volta à parada do 64, estavam já reunidos; as crianças brincando de sobreviver. Não foram precisas palavras para que eu devolvesse o mais jovem membro daquela família.

Ganhei um sorriso e fui embora sem nunca agradecer-lhes.

13.6.11

NÓS

nós
e os solitários
sempre tão sós

6.6.11

CONDICIONAL

Ahora se fue 
Se fue y me dejó un ruido en castellano 
Como recuerdo me hizo aprender 
Un nuevo tiempo verbal 
Que para todos los efectos es muy útil 
En días cenicientos o domingos solitarios: 
el futuro imperfecto