28.12.09

A TERNURA DESTA AGÚSTIA

Não conta pra ninguém que por baixo dessa carcaça eu sou mais frágil que cristal?
Finge não ter percebido essa minha mania de ser sempre sim
Afoga essa mágoa comigo e que o dia amanheça só amanhã
Brinca também de rir junto que desgraça acomete todo mundo
Na ternura desta angústia dançaremos uma valsa em segredo

Silêncio, eu digo.
Ninguém saberá que somos apenas cacos de nós.

21.12.09

TEU OLHAR INQUÉRITO

Me abraçaste com esses olhos que tu tens de me pedir que te pergunte como foram teus dias, o que fizeste e com quem andaste. Me fita em silêncio esperando o inquérito ao qual devia estar acostumado antes de me conhecer. Exala timidamente uma vontade de contar verdades talvez dolorosas, sem saber quão invasivo seria contá-las antes de ser contestado.

Eu não queria essas verdades. Não vês? Já poluem um terreno paranóico em minha mente histórias sobre tuas companhias que fariam inveja aos teus amigos mais próximos.

(Na verdade, a verdade-fato não me interessava posto que formulasse as piores teorias sobre ti)

Mas talvez aquele teu sorriso inquérito fosse apenas uma vontade de mentir. Dirias que dormiu cedo e só, caso eu perguntasse. Usarias esse lado teatral que usas para dissimular todas as pequenas verdades que omites. Quisera tu testá-lo em verdades maiores, por isso me interroga agora, querendo que pergunte como foram tuas noites.

Mas tu perguntas então como foram as minhas - se eu trocara a insônia por outra companhia.

Culpa minha. Omiti a informação mais preciosa: uma paixão-lacuna sempre me exigiu outros corpos para ocupar o vão.

14.12.09

DATA

A data ecoou na cabeça novamente. Sabíamos que até aquele dia tudo deveria estar definido. Nos olhamos e, enquanto tenho medo de fugir, também me dói ficar.

A gente range o dente, mexe no cabelo, rói a unha. A gente sabe que não há nada além daquela fronteira, além de outras fronteiras. Todas linhas imaginárias interpondo-se às nossas fugas. Não sabíamos que a última fronteira era a nossa, vergonha de saber que também possuíamos nossas próprias linhas imaginárias.

E víamos de novo aquela data a nos dizer que nosso destino está ali, a nos tentar, construindo e desfazendo sonhos como quem dorme um sono tranquilo de criança.

E dizíamos que não, ou talvez, que não sabíamos, nunca saberíamos. Me olhava com cara de dúvida sem entender a interrogação daqueles números que se impunham entre nós daquela forma quase fictícia - me olhava assim por não entender tudo que a data significava e saber que só alcançaria tal entendimento se acreditasse, mesmo sendo incapaz. Mas eu sabia.

7.12.09

PASSO DESPIDO

Fechei o portão e com ele ia um adeus que tardou a sair. Não pronunciado, mas presente naquele último olhar, que era talvez o primeiro de tantos últimos olhares que viriam, mas seria sempre o mais definitivo entre estes.

Não sei, a vontade é de sorrir agora. Eu não vou olhar para trás, mas sinto que a porta ainda não fechou as minhas costas; que ainda tem um olho que me segue. Mas meus passos são leves, como passos de quem tem certeza. Passo despido do peso azedo das palavras não ditas. Pronunciadas, deixo-as presas atrás das grades daquele portão.

Agora que vomitei em ti todo esse querer, que desatei o nó do peito, essa vontade soa estranha em mim, como se ela jamais soubesse fazer parte de mim (como se não fosse minha hóspede nos últimos meses) - é apenas uma vontade que anda em silêncio ao meu lado, sem me pertencer.


- ah, aquela vontade caçula, mimada, mimada, que cantarola agora uma melodia que não conheço e sorri com desdém, como soubesse não ser mais minha; ela caminha no mesmo passo que eu, numa dança ritmada ao som daquela melodia que não conhecemos; somos paralelos e não nos tocaremos mais, eu digo em seus olhos -


Não vejo, mas sinto a porta fechar. (eu não vou olhar para trás)