25.10.09

MARIPOSA SETEMBRINA

Toda paisagem carregava o mesmo gosto insosso de rotina encruado à visão. E as segundas eram iguais às quartas que, por sua vez, assemelhavam-se aos sábados. Mesmo o rio conservava nas entranhas a essência do asfalto. O pôr do sol mostrava-se tão desgostoso quanto a chuva, naquele setembro. O equinócio, ao fim do mês, caiu-lhe perfeito, visto que todas suas noites e seus dias haviam sido iguais.

Os bichos da seda chegaram em silêncio numa terça-feira, que tanto poderia ser terça quanto domingo. Traziam no corpo a mesma ausência de cor daqueles dias setembrinos. Sua presença não era acaso, tínhamos a incumbência de cuidá-los até que, feitos casulo, se metamorfoseassem em mariposa. No momento, éramos uns tão larvas quanto outros – eles tinham na transformação uma imposição natural; a nós cabia ainda descobrir como sair do casulo.

Mas estes foram apenas mais um pedaço do cenário daqueles dias empoeirados. Não devia me ater tanto a isso. É que pela manhã o cheiro do tédio me acordava e fazia companhia horas adentro, até que era tempo de dormir de novo, sem saber onde gastei aquela fração de vida. E só o que me lembrava ao longe um sorriso eram os bichos, cuja companhia silenciosa distraía a solidão.

Mas tu não ia entender o que quero dizer. Acho mesmo que talvez eu não tenha entendido também e apenas poetizei demais para encobrir minha ignorância. Mas é só assim que sei descrever aqueles dias, como alguém que não viveu: um observador atento e daltônico de um tempo vazio.

Desculpa, eu não deveria ter dito nada disso. Eu deveria virar mariposa.

18.10.09

PRENÚNCIO

Eu não estranho que aqueles três dias tenham ficado em minha mente como se fossem o prenúncio de algo. É como se fossem os três primeiros dias de uma coisa maior, mas foram apenas.

Volto pra casa ainda sem saber como tu tira tanta coisa da minha boca. Era pra sair só saliva, mas vem junto todo aquele sentimento, aquele xingamento, aquele não entendo.

Num abraço me desarma e ninguém mais consegue isso – e nossas cabeças fazem que-não-que-não, mesmo que já não saibamos ao certo qual destino negamos.

Então me olha e não se de onde tira esse olhar abraçado, que é bem mais que sexo, que foi bem mais que nós, que não diz três-dias. É um desses abraços de aeroportos, que a gente guarda em uma caixa no armário e tem pra sempre, mesmo que a pessoa se vá. E tu vai, como sempre vai, deixando só o eco infantil das tuas palavras.

Eu gosto de ti – é, eu gosto de ti, repetindo assim, mais para si do que para mim, talvez por nunca haver pensado nisso antes e – pela estranheza causada – não pretender pensar nisso depois daquele momento.

Se já o havia deletado do celular, não havia porque não deletá-lo de minha vida, tão pequeno, tão breve, tão cafajeste fora que eu queria mesmo acreditar que eram mentira aquelas palavras bonitas que esbarraram em mim.

Quando tento entender, penso que talvez, nos relógios do universo, eu tenha me atrasado um pouco, ou andei demais na contramão.

12.10.09

APENAS O TEMPO PRESENTE

Posso te falar que penso em ti todos os dias?
não, não devo.
Mas o que é este dever que insisto se meu querer é maior?
Nada
Porque quero e digo que pensei em ti todos esses dias mesmo sabendo que não haverá resposta.
- sequer houve perguntas

Para mim só interessa corromper aquele dever óbvio que aprendi criança e transformá-lo nas palavras que eu quis dizer, dizendo.
Nunca me interessará um sim, ou um não, ou qualquer dessas certezas dúbias
Tu nunca me interessarás.
Só me resta a lembrança do que disse, que foi real no momento que disse
embora talvez nunca mais o seja.

Eu sou apenas o tempo presente

5.10.09

CONTRATO

Olha, eu te prometo dessa vez. Se quiser eu deixo de ser eu um pouco, por um tempo, o tempo todo que isso que não existe for durar ainda. Seria bastante meu isso de me renegar. Eu prometo, se quiser. Essas garrafas vazias serão testemunhas de tudo que ainda não fiz. Essa música ao fundo do Oswaldo Montengro que nos fala tão bem - eu baixo amanhã para lembrar de hoje ainda um pouco mais, prometo. Vou sair cantarolando no ônibus que a gente faz de conta e sempre diz que não, mas só o amor é que é fatal.

Eu te prometo que largo as paixões passageiras por uns dias. Não, a vida inteira é demais para mim. Mas no tempo em que formos nós - não há de ser muito, tu sabe - nesse tempo eu te prometo.

Não olha assim, prometo o máximo que consigo, porque quero cumprir a promessa. Não prometo nem um sopro a menos que o máximo. É pouco, sei.

Como adicional, incluo no pacote cumplicidade e um puco de admiração, se quiser. E garantia de 3 meses, como estipulado por lei.

Como contrapartida sugiro passeios de domingo, um pouquinho de atenção e que mate as baratas que encontrarmos no caminho.

Fechamos contrato?