20.12.10
NA METRÓPOLE
13.12.10
PORTUÑOL
De repente não havia mais ninguém. Tudo olvidado no momento do check in. Esta sempre fora minha casa – ou talvez faça só um mês, conto mentalmente com esta nova noção de tempo cujos dias da semana podem também ser encontrados no planetário. E o planetário, este antigo companheiro, não está mais ubicado ao lado da faculdade que também deixei de frequentar.
Sim, faz só um mês, respondo ao policial que, desconfiando deste pelo loiro e dessa pele branca misturadas ao sotaque brasileiro indaga se já tenho minha identidade. No, no la tengo, verdad. Solo voy a tenerla en enero, sem importar-me com a correção gramatical.
Quando saio dali percebo o tempo que cabe dentro de um mês, o que inclui, já te disse, segundos seculares e dias que correm, assim com essa velocidade que só o tempo sabe que tempo tem. E é nessa velocidade de dias que bajo del subte, camino cuatro cuadras hasta que sé yo e paro. É o Brasil que me chama em 140 caracteres na tela do celular. Aquela palavra que sempre acreditamos tão brasileira me invadindo agora, plena 9 de Julio.
Se não obteve resposta, minha desculpa unânime sempre será este sinal inconstante de celulares porteños. Impossível expressar assim, tanta distância e tão pouco espaço, o estranhamento de não extrañarte.
6.12.10
8.11.10
O PÁSSARO
6.9.10
QUASE-POESIA
30.8.10
ROSA-E-ROXO
23.8.10
METRÔ
............................................................................................................................mas o que acontece se o fluxo pára (sei lá) meia hora?
param também, por acaso ou rebeldia, os ponteiros dos relógios?
e a chuva na rua, que fará?
(se todos estão lá, parados, a chuva não os pode molhar.) porque você sabe, parando os relógios as fábricas param também. não se produz mais café, energia ou força de trabalho.
.eis que me dou conta: o metrô pára também. (ah, se um dia eu parasse aquele fluxo, quem sabe congelava o riso banguela no rosto da maria? quem dirá que não parei a morte no encalço de seu antônio? e talvez a juliana tivesse para sempre o namorado ao seu lado.)
às vezes eu penso que o metrô é um fluxo contínuo. às vezes eu penso que o metrô está dentro da vida - e que só depende de mim.
19.7.10
NATUREZA HUMANA
Da independência dos felinos, nada trazia e, não fosse o formato e o ronronar que ressoava somente ao dirigirmos o olhar para ele, não o diríamos gato. Era sim, talvez carrapato, melhor das hipóteses cachorro, que alguns compartilham assim da carência canina.
Com o tempo, acostumei-me a desistir antes do primeiro afago para evitar o sofrimento posterior. Via o gato, mudava de aposento. Se ele vinha atrás, trancava-me no banheiro e, ao sair, tropeçava, quase sem querer, no bichano. Tornou-se quase medo o que nutria por ele.
Hoje, quando atendo o telefone, ouvindo choro de amigas do outro lado da linha, suplicando conselhos, rabiscando explicações, vontade pura de lhes emprestar o gato. Em uma semana, entenderiam na pele a natureza humana.
12.7.10
PLANO DE FUGA
A mãe saiu do trabalho, correu para casa e trocou o almoço por uma visita ao hospital, munida de muda de roupas, chinelo e um pijama. Para o pai, claro. Quando próxima ao estabelecimento, o toque do celular lhe surge novamente: o pai, perguntando onde estava, que teve alta e iria para casa com ela, que não teve tempo de estacionar o carro. O pai, que lhe esperava do lado de fora do hospital, entrou apressado no veículo e vieram para casa. Não foi nada. Nada demais. Respondia às perguntas sobre o que ocorrera. Queria apenas deitar um pouco para descansar.
Durante o repouso, o telefone de casa toca, a perguntar pelo senhor Flávio Dutra. Ao saber do que se tratava foi quase espanto o que experimentamos: a enfermeira do hospital preocupara-se pois, na hora do remédio, constatou que o paciente havia desaparecido.
A ela, pedimos desculpas. A ele, uma explicação.
5.7.10
HORA DE CHAMAR A SAMU
Acontece que sempre tivemos animais em casa, mesmo que minha mãe se encarregasse do sumiço de alguns. O pai, apesar de não os maltratar, preferia distância. Quando ia sentar-se ao sofá, sempre junto ao braço direito do móvel, que ficava exatamente em frente à TV, chamava-nos. Tira ele daqui. A frase imutável poderia referir-se à nossa gata ou ao outro cachorro que tínhamos, já falecido. Mas ele ignorava-lhes os nomes e mesmo o sexo. Era sempre apenas ele. E falava quando me virem fazendo carinho em bicho podem chamar a SAMU. O que era a variação de uma frase que usava para quase tudo o que previa nunca fazer. E SAMU, em seu discurso, vinha no feminino mesmo, referindo-se à ambulância do serviço.
Mas quando a Felícia, uma Yorkshire com carisma de líder nacional, chegou a nossa casa, o pai mudou. De vez em quando perguntava-nos, quando ela não estava a vista quase em tom de desconfiança cadê ela? O pronome definindo o sexo corretamente era um indício de mudança que não poderia passar despercebido. A cadela conquistou não apenas sua permanência na casa, permitida pela mãe, quanto o carinho desta, que passou a ser freqüentadora assídua de pet shops, levando a Felícia no colo ou em uma das novas coleiras que ela lhe comprava.
O pai, por sua vez, trazia o carinho pelo animal cada vez mais aparente, mesmo que teimasse em disfarçá-lo. De vez em quando era flagrado sentado ao sofá, no lugar imutável, com a cadela ao lado. E chegou mesmo, esses dias, a perguntar se a bichana não estava com fome, ao ver que carregava um pote de comida na boca.
Esta madrugada, ao acordar, percebi que a Felícia não estava em sua cama. Procurei atrás do sofá, onde, numa atitude contorcionista, conseguia se esconder quando queria sossego; e sob minha cama, um de seus locais prediletos. Mas ela não estava. Uma busca minuciosa apontou seu paradeiro: o quarto de meus pais, entre um e o outro. Não sei se espero mais alguns dias para analisar as novas manifestações de carinho, mas é certo que nos atrasamos na hora de chamar a SAMU.
28.6.10
AMEX
O pai que, apesar dos defeitos ainda sabia organizar os próprios talões de cheque em prol da conta bancária, usando os canhotos para registrar informações completas sobre seus gastos, fossem valor, nome do estabelecimento, telefone, ou mesmo as três informações reunidas.
Um dia, em suas escavações, minha irmã descobriu determinada quantia gasta em um local descrito como Amex. Não precisou de imaginação extraordinária para supor que era um motel e secretamente anotou o telefone, ainda sem saber ao certo o que fazer com a informação e com o número.
Contava para mãe, desabafava com uma amiga, guardava segredo? Xingava o pai, aproveitaria a oportunidade para fazer chantagem ou apenas esquecia tudo e maldizia seu hábito de escavar a vida alheia. Dormiu com a dúvida e talvez passasse o resto da vida com esta, não fosse a sensata decisão de telefonar para o local e averiguar a informação. Do outro lado da linha, a voz da atendente veio lhe fazer rir American Express. Bom Dia. Em que posso ajudar? Desligou agradecendo, ela já havia ajudado bastante.
21.6.10
ANIVERSÁRIOS
Havia então docinhos pela casa e os presentes eram embrulhados, e não depositados na conta. Os parentes distantes lembravam e o parabéns-a-você era um ritual inevitável.
Não fazem décadas, pois contabilizo apenas duas delas completas. Mas hoje, em meus aniversários, me surpreendo a cada ligação. Quem mais esquece a data agora sou eu. Obrigada, obrigada. Olho o calendário. Era hoje mesmo.
Imaginem então quando vierem os anos, as rugas, os cabelos brancos que terei - se os tiver. Quando me disserem aniversário, recorrerei eu, em dúvida, ao dicionário, para compreender este misterioso significado dos anos.
14.6.10
O DIA EM QUE NOS TORNAMOS PARENTES
Todos concordamos obedientes aos cargos que ela nos imputou. Choro agora é privilégio de seus poucos meses - privilégio que utiliza sem moderação, com a certeza secreta que, assim como um móbili de bichinhos, o mundo também gira ao seu redor.
7.6.10
JACARÉ DE ESTIMAÇÃO
Na escola, narrava aventuras imaginárias, que não eram mentira, pois lembrava-me delas com detalhes e, inclusive, poderia jurar que realmente tinham acontecido, apesar de saber que não.
Eu não contava à mãe sobre meu animal de estimação, e ela nem ousava perguntar-me o que tinha feito com que eu me tornasse de menina contrariada com a moradia a feliz frequentadora do pátio. Dias gastos buscando com os olhos o novo amigo, sem sucesso. mas eu sabia que ele estava lá, de alguma forma que eu não entendia, como até hoje não entendo o surgimento daquele caminhão de mudanças, sem nenhum aviso ou adeus.
31.5.10
NÓS
Nossos passos de então são serenos, como se os pés simplesmente soubessem apenas andar. E andamos, na companhia daquela noite, pisando o silêncio devagar, para não corrompê-lo.
24.5.10
CAFEÍNA
.........................................................................................tomo um café
.................................................................................................................tomo um café
.........................................................................................................................................desacelero um pouco e penso em telefonar para aquela garotinha que eu era tão pouco tempo atrás mas ela não está - eu não tinha mesmo o que lhe dizer concordo com todos os erros cometidos que me transformaram nesta coisa que não sei acendo a luz fecho a janela anoitece já além da cerca e eu sequer fiz algo que não fosse pensar
............................................................................................tomo um café
.........................................................................................................tomo um café:
..................................................................................................................................a vida não vale o que pesa.
17.5.10
NARIZ E OLHOS VERMELHOS
10.5.10
DESPUDORADA
Aparece na hora da insônia e persiste apenas até indícios de claridade surgirem.
E então já é hora do café da manhã e de outro dia inteiro de ponteiros preguiçosos
Mas à noite,
após as poucas cervejas,
na esquina do sono tranquilo,
ataca-me novamente, despudorada, a inspiração
Cogito afastá-la
(geralmente, de nada me serve)
Mas pode ser que num relâmpago insone
ela venha em seus trajes pequenos
a me trazer uma alma inteira descrita em letras
Nesse dia eu lhe direi que hoje não
E dormirei minhas oito horas mortais
Afastando-a, como quem afastasse uma mosca
Nunca mais a prisão das palavras
3.5.10
SE TIVÉSSEMOS UMA POLAROID
Quem sabe esquecido naquele filme de 36 poses - asa 100 - que nunca revelei.
19.4.10
PRESSA
já não sei o que te dizia agora, meu ser.
ainda estás aí para ouvir o que não lembro?
não.
fuja logo: não valho a pena.
12.4.10
XÍCARA ERRADA
E seguimos em direções opostas, os rostos dançando um balé sincronicamente assimétrico, sem jamais se encontrar. Até que a vida nos separe.
5.4.10
SEM PONTUAÇÃO*
não que falasse muito
era de poucas palavras e nenhum ponto
o que me fez pensar na entonação de uma frase que acaba sem ter um fim
talvez ele ainda ouça os ecos de último boa noite
oite, oite, oit
*isso não é um poema.
29.3.10
NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA CAIXA
Ainda extaseada pela humilhação a que a caixa lhe submeteu – ouvia-se mesmo os meninos com suas risadas altas e alguém gritou Gorda! no outro canto do pátio; baixou as mãos ao solo e recolheu o objeto, num instinto e, cabeça baixa, bochechas róseas, saiu em direção à casa, passo apressado de quem tem medo da vida. Duas quadras e a casa lhe espera. Primeiro o portão. Então a porta. A escada. O quarto.
Já na segurança da cama, distante até dos olhos da empregada que em breve diria que nem te vi chegar e logo mais tá com fome? Se quiser trago algo pra tu comer Não, não tinha fome. Então abriu a caixa; a maldita caixa que estava no meio do caminho. Com a caixa, um sorriso. Apressou-se em escondê-la – última gaveta do armário, atrás do uniforme da escola marista. E jurou que aquele seria seu segredo.
22.3.10
READOLESCER
Foi assim com meu pai, depois de anos a acompanhar a adolescência dos três filhos, cujos amigos viam em nossa casa reduto seguro para as mentiras contadas aos pais. Acompanhou assim toda uma geração que fumava escondido dos pais, e acostumou-se a fazer segredo sobre uma ou outra vez que as amigas chegavam bêbadas em minha casa.
Mas, há algum tempo, quem adolesceu foi ele.
Fumante convicto desde antes de minha chegada ao mundo, o pai parava de fumar quase todos os verões e, em quase todos os verões, era definitiva sua decisão. Certa vez, a disposição vinha acompanhada de algum ato heróico, como jogar uma carteira ainda repleta de cigarros fora; noutras, era seguida apenas de silêncio e percebida por nós somente quando lhe pediam um cigarro e ele respondia sem certeza na voz que não fumo mais.
É notório que seus curtos períodos de não fumante eram seguidos de humor instável e excentricidades: segurava cigarros apagados na mão, usava adesivos de nicotina, chicletes diversos e toda sorte de estratégia para esquecer que não estava fumando. Ao fim do primeiro mês de abstinência, reuníamos sem querer na cozinha com olhos cúmplices, sem nada dizer, mas que todos sabíamos o significado. Era um apelo silencioso para que ele se entregasse novamente aos braços do tabaco.
O último verão, porém, foi diferente. Decretou, pelo sexagésimo verão consecutivo (posto que não consigo imagina-lo, nem criança, sem o cigarro em mãos) que havia largado o vício. Uma nova variedade de chicle de nicotina passou a freqüentar a casa, atestando a seriedade do propósito. Mas eis que, de uma hora para a outra, passou a sair no meio da noite para ver as estrelas. Voltava alguns minutos depois, o cheiro de cigarro encruado ao corpo.
Comentei com a mãe, um dia, que comportou-se e me fez comportar-me exatamente como a mãe de um adolescente faz: finge que não sabe, disse. E passamos todos a fingir, então, sustentando o teatro. Às vezes, para incutir-lhe vergonha, comentávamos em frente a amigos sobre sua vitoriosa deserção em relação ao tabaco. Ele bebia um gole de cerveja e ia ao banheiro. Na volta, o cheiro inconfundível o acompanhava sempre.
Hoje mantemos a farsa, imaginando secretamente o orgulho que ele carrega, de enganarnos há meses. Mas ainda esperamos o dia em que, sem pressa, trocará a nicotina por um pace de fraldas.
15.3.10
EU, TU E O GATO
(eu sei que secretamente tu olha meu corpo contraído, o olho mexendo agitado e torce para que sejam logo sete horas, para que seja o despertador e não tu a me tirar estas inquietações)
8.3.10
DIA DE ADEUS
1.3.10
SEM POESIA
como se fosse um dia qualquer de dezembro
mas hoje é 27
e dezembro já foi
então, como poderia ser hoje um dia qualquer?
mas os fato são apenas estes:
hoje eu acordei sem poesia
não há o que concordar ou discordar
é como de repente aquela árvore que balança
(e sequer relativizaríamos a dizer que, para a árvore, quem balança é o mundo)
somos fatos: eu e o balançar da árvore e, ainda, talvez, o dia de hoje
embora, para dizermos que hoje é 27, teríamos que dizer que é 27 para o calendários cristão
posto que há ainda alguns lugares que seguem outros calendários
hoje eu acordei sem poesia
e eu li teus versos e disse pra mim que não entendi
teus versos sempre tão simples
e eu incapaz e lê-los
então, para fingir que a poesia ainda morava em mim
tive assim que desabafar em forma de verso
como se houvesse resquícios ainda dela
talvez na sola da alma
8.2.10
DO QUE UM PEDAÇO DE PÃO
Ontem eu simplesmente soube que seria feliz para sempre, como conto de fadas. Eu descobri que nem todo sentimento escoa em três dias - só todos os outros, esse nunca.
Ontem eu disse que sabia o que queria - e dessa vez era verdade, não desculpa de uma fuga em outro rosto, como sempre fora antes. Eu disse sim sabendo que aquele sim significava amanhã e depois e semana que vem ainda. E eu não senti medo daquele sentimento por ser tão leve que era meu - não uma invasão bárbara como eu me acostumara a viver as coisas.
Mas quando abri os olhos, eu olhava para um teto que era só teto e aquela frase não fazia mais sentido algum. Que a minha vida era dessas de ficções modernas, que só valem a pena enfrentando monstros. Aquela calmaria não me era paz.
E é por isso meu bem, que acabou.
1.2.10
ATALHOS DE FINAIS FELIZES
pelas coisas que não dão certo
Toda lembrança escondida
de um futuro prometido em passados imperfeitos
É como se eu sempre soubesse
É como se tu quem me disse
Que essas coisas que acabaram
São atalhos de finais felizes
18.1.10
DEUS EX-MACHINA
Portanto, te peço que não mordas mais em carnificina teu lábio inferior diante de minhas descrenças. Sugiro a ti, como a um personagem raso, que altere o discurso neste e naquele diálogo que se encontram na 5ª linha, 8ª dose.
Entende, é tudo teoria literária: para ue tal declaração fosse verdade, era preciso que houvesse um elemento anterior a confirmar. Uma dessas coisas que soam em silêncio na cabeça do leitor e o fazem acreditar.
(senão, essa paixão é deus ex-machina)
11.1.10
negros
negros; que a pele castanha não será a tua, ainda alva de inverno; que o olho verde não será o teu, infinito profundo, buraco negro
(negro,
negro)
E a amo mais que tudo por não carregar teu sexo, teu cromossomo Y que sempre persegui; amo e sei que amo pelo simples fato de que quero carregar sua sacola repleta de maças e tomates e um provável mamão, para a digestão.
Amo como a um menino órfão, por quem só sinto amor pelo fato de ignorar sua existência.
Amo porque falta teu sorriso, e sem teu sorriso não haverá amor.