Era uma destas ruas escuras de uma Buenos Aires que quase já não existe, destas que não estão nos mapas e que de tão silenciosas são evitadas pelos carros. Mas a Buenos Aires que encontro todos os dias ao ir pro trabalho não possui ruas que fingem acabar e os carros não perdoam o silêncio, estraçalhando-o sem perdão. É uma cidade de inflação e transito, como estas que se vêem nos jornais de domingo.
E justo num domingo destes de sol em que velhinhas levam seu podle para passear na praça Congresso, estava eu em uma de minhas fugas rotineiras, caminhando. caminhando. caminhando. Se há algo de exato aqui, é caminhar. Horas de ócio e suor sem destino até que a rua interveio em minha caminhada. De repente, ela estava ali a apenas 500 metros das hordas de turistas que poluem San Telmo, com uma cor de 5 da tarde; mas uma cor de 5 da tarde no inverno, claro, porque anoitecia. Estava ela e seu café e seu jacarandá solitário e suas mesas livres como que a minha espera e quase fui, mas sentar ali ia ser um desrespeito àqueles 100 metros de uma Buenos Aires que não existe. Sequer me aproximei a recorrê-los. Era tarde, não porque anoitecesse, mas era tarde, e não a vi mais.
Há cerca de um mês comecei novamente a realizar expedições noturnas, após o cerrar das pálpebras. Uma vez por semana me encontrava em uma praça, destas praças de língua espanhola, que trazem em si mais concreto do que árvores. No centro dela, em meio a uma encruzilhada, uma estátua verde; um homem montado em seu cavalo, provável herói patriótico. Dali sei que posso caminhar um pouco e estarei na praia, uma praia suja na qual banho apenas os pés, carregada ainda de um pouco de novo, acrescido da vontade de molhar-me, porque me parece sempre um destes lugares que chegam em silêncio para me invadir.