12.11.11

O ÚLTIMO NATAL

Nunca saberia precisar o momento exato em que mudei o verbo que usava para me referir ao natal em família na longínqua Caxias do Sul. Ocorre que, sem aviso prévio, o verbo adoro foi sutilmente substituído por odeio.

Quando criança, me parecia uma grande aventura estar nessa pitoresca cidade, onde a quantidade de comida na mesa sempre é calculada para que o dobro de pessoas possa comer. Eu achava mesmo que Caxias era uma cidade grande. Tal ideia explica-se pelo fato de que, enquanto em Porto Alegre eu vivia em uma casa sempre tão longe dos shoppings e Mc Donald's e parques de diversões, em Caxias a casa da vó ficava no Centro e eu podia ir caminhando a alguma lanchonete ou mesmo ao primeiro shopping da cidade, o saudoso Pratavieira.

Depois de algum tempo, veio essa inquietude de não saber o porquê de passar o natal sempre no mesmo lugar, sempre com as mesmas pessoas. Não saber o porquê de comemorar o natal.

Sob protestos, os pais me metiam no banco de trás do carro e íamos. Eu sempre tinha em mente transformar a viagem de aproximadamente 2 horas pela serra gaúcha, no mais desagradável possível, pensando secretamente que no próximo ano poderiam desistir de me levar.

Nunca desistiram e eu acabei me acostumando à rotineira viagem dos natais. E como a vó estava ficando velhinha e eu já havia passado o pior da adolescência, comecei a concordar em passar o natal lá, até porque, confessávamos entre a família, aquele deveria ser nosso último natal com ela - e minha vó era do tipo que a gente ama muito, mesmo que veja pouco. Então íamos todos e sorríamos todos, porque no fim era bom estar com a vó e fazer o último-natal dela mais feliz. Quando calculo, imagino que tenhamos ido a 5 últimos-natais da vó, no mínimo - voltavamos a Porto Alegre cada vez mais contentes daquela prorrogação que ela nos oferecia.

Um dia, todos os netos crescidos já, a família deixou de dar tanta importância à data - a isso somava-se a preguiça da viagem, que nos fazia ficar em Porto Alegre durante as festividades. E talvez só eu tenha notado que nunca estivemos de fato no último natal da vó. Ela passou seu último natal sem um abraço dos netos, sem um beijo da filha que foi morar em Porto Alegre ainda jovem, para nunca mais voltar.

A vó se foi e de repente meus dezembros não são mais os mesmos sem saber que este será seu último natal.

7.11.11

BAGAGEM

Eu deixei uma mãe saudosa e 3 corações partidos,
Sete sacolas de adeus, um quarto intacto e 2 sobrinhas
Deixei a comida quente, o emprego instável, o conforto de uma cama
Deixei palavras no caminho e esqueci a conjugação de todos os verbos irregulares

E eu não sei agora que lugar é meu
Nem mesmo entendo bem esse som longínquo que diz saudade
Me preocupa não saber de onde vem minha bagagem.